O Silêncio da Educação
Durante quatro décadas, em meados do século XX, os Estados nacionais controlaram e regulamentaram setores fundamentais da economia, visando garantir a estabilidade econômica e a seguridade social. Empresas estatais foram criadas para atender às necessidades dos mais diversos setores econômicos e dar assistência à população. Atingiu-se um ponto em que metade da riqueza de toda a economia mundial era propriedade dos Estados.
No fim da década de 1970, com a economia mundial em uma grave crise provocada pelos aumentos do preço do petróleo, alguns especialistas passaram a defender a tese do Estado mínimo, isto é, um total reordenamento da economia, de modo que o Estado participasse minimamente das atividades e decisões políticas e econômicas. Com a valorização do dólar, a economia de países capitalistas entrou em crise. Os defensores do Estado mínimo difundiam a idéia de que os Estados Nacionais eram os grandes responsáveis pela falência dos próprios países, creditavam a crise à influência das máquinas administrativas públicas e, por isso, prescreviam uma receita que incluía a desestabilização das economias nacionais. Dessa proposta, nasce o Neoliberalismo. A partir daí, nasce também as estratégias neoliberais de controlar, além do campo econômico, político e social, também o setor educacional. Por isso, fez-se a explanação acima sobre a construção neoliberal na esfera internacional, pois para se entender a intervenção no setor da educação, essa compreensão mundial é necessária.
A crise dos setores públicos, colocando a administração pública como culpada, recai conseqüentemente premeditado no setor educacional. Com a intenção de desagregá-lo de uma cultura de massa, tenta-se mostrar sua inaptidão e estrutura-se o discurso da ‘Qualidade Total’. O discurso, tão bem engendrado pela direita , introduz novas questões, categorias e conceitos à Educação e obscurece a memória popular. O discurso da Qualidade Total na educação redefine conceitos como “direitos”, “cidadania” e “democracia” e introduz na memória coletiva os novos conceitos como competitividade, individualismo e darwinismo social. Porém, esses novos conceitos acabam privilegiando a uma classe social (detentora do poder) que usará a educação, remodelando seu currículo de acordo com as suas necessidades de capital e, por conseguinte, deixando de lado as classes subalternas que ficam, cada vez mais à mercê de interesses neoliberais e neoconservadores. Essa é a conseqüência do apagamento da memória popular e serve para distanciar as classes “desprivilegiadas” dos objetivos da justiça, igualdade e de um futuro melhor.
Para situar melhor tudo isso, voltemos às décadas de 1980 e 1990, em que muitos países seguiram os exemplos britânico e norte-americano. Nos países mais pobres, o Estado, sem o menor planejamento, concedeu à iniciativa privada o direito de atuar nas áreas da saúde, comunicação, petróleo, geração e distribuição de energia, água e em outro setores essenciais como a Educação.
Por exigência de organismos econômicos internacionais, como o FMI, que responsabilizavam as dispendiosas empresas estatais pelas sucessivas crises enfrentadas pelos países ‘pobres’ os governos passavam a cortar gastos nas áreas sociais, arruinando setores atendidos pelo Estado como saúde e, principalmente a Educação.
Grandes empresas e conglomerados econômicos beneficiaram-se dessas políticas, pois assumiam o controle de empresas lucrativas, pagando preços inferiores aos valores reais, além de se livrarem do “ônus” representado pelos direitos trabalhistas e de reduzirem as despesas com impostos.
Entre as conseqüências da aplicação da doutrina neoliberal, destacam-se a elevação dos níveis de desemprego, o aumento das desigualdades sociais e da miséria e a ruína de pequenas e médias empresas nacionais, impossibilitadas de competir com os grandes conglomerados internacionais. Em decorrência desse quadro, direta ou indiretamente, surge a ‘exclusão social’, a ‘exclusão educacional’, tendo em vista que no processo neoliberal econômico, a educação aos poucos sai das mãos do Estado e caminha para a privatização, excluindo a classe que mais depende da educação pública, gratuita e de qualidade. Porém, como já se explicou anteriormente, a qualidade da educação pública foi posta em xeque pela política das “privatizações” e surge, como já vimos, o discurso da Qualidade Total, que preconiza a competitividade.
Essa competitividade que, à primeira vista, é colocada como fator de promoção econômica e de desenvolvimento, situa-se em um panorama delicado. As práticas neoliberais e a globalização da economia obtiveram resultados desastrosos para a maioria da população mundial, em particular a que vive em países da periferia do mundo capitalista. Desde então, o chamado mercado financeiro tornou-se global. Os países “em desenvolvimento” ficam à mercê dos interesses dos investidores e entram em crise quando os investimentos especuladores e entram em crise quando os investimentos especulativos são transferidos para mercados mais atrativos. O ritmo da produção industrial diminui, diminuem-se postos de trabalho e surge o chamado desemprego estrutural.
Nesse ínterim, a Educação é vista como um mercado que coloca os cidadãos como meros consumidores e extinguem-se os seus direitos mais elementares. Direitos que lhes seriam assegurados pela educação oferecida pelo Estado (pelo menos legalmente e teoricamente consolidado). Este, esquece-se que nem todos os seus cidadãos têm moeda de compra e, para eles, o que seria gratuito, passa a tornar-se inatingível. Com isso, o direito ao bem cultural imprescindível no contexto sócio-capitalista da sociedade moderna transforma-se em um discurso aparentemente libertador, mas que esconde seu viés mais castrador: aquele que tira do homem a sua liberdade.