quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Silêncio da Educação

O Silêncio da Educação


Durante quatro décadas, em meados do século XX, os Estados nacionais controlaram e regulamentaram setores fundamentais da economia, visando garantir a estabilidade econômica e a seguridade social. Empresas estatais foram criadas para  atender às necessidades dos mais diversos setores econômicos e dar assistência à população. Atingiu-se um ponto em que metade da riqueza de toda a economia mundial era propriedade dos Estados.
No fim da década de 1970, com a economia mundial em uma grave crise provocada pelos aumentos do preço  do petróleo, alguns especialistas passaram a defender a tese do Estado mínimo, isto é, um total reordenamento da economia, de modo que o Estado participasse minimamente das atividades e decisões políticas e econômicas. Com a valorização do dólar, a economia de países capitalistas entrou em crise. Os defensores do Estado mínimo difundiam a idéia de que os Estados Nacionais eram os grandes responsáveis pela falência dos próprios países, creditavam a crise à influência das máquinas administrativas públicas e, por isso, prescreviam uma receita que incluía a desestabilização das economias nacionais. Dessa proposta, nasce o Neoliberalismo. A partir daí, nasce também as estratégias neoliberais de controlar, além do campo  econômico, político e social, também o setor educacional. Por isso, fez-se  a explanação acima sobre a construção neoliberal na esfera internacional, pois para se entender a intervenção no setor da educação, essa compreensão mundial  é necessária.

A crise dos setores públicos, colocando a administração pública como culpada, recai  conseqüentemente premeditado no setor educacional. Com a intenção de desagregá-lo de uma cultura de massa, tenta-se mostrar sua inaptidão e estrutura-se o discurso da   ‘Qualidade Total’. O discurso, tão bem engendrado  pela direita , introduz novas questões, categorias e conceitos à Educação e obscurece a memória popular. O discurso da Qualidade Total na educação redefine conceitos como “direitos”, “cidadania” e “democracia” e introduz na memória coletiva os novos conceitos como competitividade, individualismo e darwinismo social. Porém, esses novos conceitos acabam privilegiando a uma classe social (detentora do poder) que usará a educação, remodelando seu currículo de acordo com as suas necessidades de capital e, por conseguinte, deixando de lado as classes subalternas que ficam, cada vez mais à mercê de interesses neoliberais e neoconservadores. Essa é a conseqüência do apagamento da memória popular e serve para distanciar as classes “desprivilegiadas” dos objetivos da justiça, igualdade e de um futuro melhor.
Para situar melhor tudo isso, voltemos às décadas de 1980 e 1990, em que muitos países seguiram os exemplos britânico e norte-americano. Nos países mais pobres, o Estado, sem o menor planejamento, concedeu à iniciativa privada o direito de atuar nas áreas da saúde, comunicação, petróleo, geração e distribuição de energia, água e em outro setores  essenciais como a Educação.
Por exigência de organismos econômicos internacionais, como o FMI, que responsabilizavam  as dispendiosas empresas estatais pelas sucessivas crises enfrentadas pelos países ‘pobres’ os governos passavam a cortar gastos nas áreas sociais, arruinando setores atendidos pelo Estado como saúde e, principalmente a Educação.
            Grandes empresas e conglomerados econômicos beneficiaram-se dessas políticas, pois assumiam o controle de empresas lucrativas, pagando preços inferiores aos valores reais, além de se livrarem do “ônus” representado pelos direitos trabalhistas e de reduzirem as despesas com impostos.
            Entre as conseqüências da aplicação da doutrina neoliberal, destacam-se a elevação dos níveis de desemprego, o aumento das desigualdades sociais e da miséria e a ruína de pequenas e médias empresas nacionais, impossibilitadas de competir com os grandes conglomerados internacionais. Em decorrência desse quadro, direta ou indiretamente, surge a ‘exclusão social’, a ‘exclusão educacional’, tendo em vista que no processo neoliberal econômico, a educação aos poucos sai das mãos do Estado e caminha para a privatização, excluindo a classe que mais depende da educação pública, gratuita e de qualidade. Porém, como já se explicou anteriormente, a qualidade da educação pública foi posta em xeque pela política das “privatizações” e surge, como já vimos, o discurso da Qualidade Total, que preconiza a competitividade.
            Essa competitividade que, à primeira vista, é colocada como fator de promoção econômica e de desenvolvimento, situa-se em um panorama delicado. As práticas neoliberais e a globalização da economia obtiveram resultados desastrosos para a maioria da população mundial, em particular a que vive em países da periferia do mundo capitalista. Desde então, o chamado mercado financeiro tornou-se global. Os países “em desenvolvimento” ficam à mercê dos interesses dos investidores e entram em crise quando os investimentos especuladores e entram em crise quando os investimentos especulativos são transferidos para mercados mais atrativos. O ritmo da produção industrial diminui, diminuem-se postos de trabalho e surge o chamado desemprego estrutural.
            Nesse ínterim, a Educação é vista como um  mercado que coloca os cidadãos como meros consumidores e extinguem-se os seus direitos mais elementares. Direitos que lhes seriam assegurados pela educação oferecida pelo Estado (pelo menos legalmente e teoricamente consolidado). Este, esquece-se que nem todos os seus cidadãos têm moeda de compra e, para eles, o que seria gratuito, passa a tornar-se inatingível. Com isso, o direito ao bem cultural imprescindível no contexto sócio-capitalista da sociedade moderna  transforma-se em um discurso aparentemente libertador, mas que esconde seu viés mais castrador: aquele que tira do homem a sua liberdade.

Cícero Souza

Um comentário:

  1. Sempre achei que Jesus estava a aconselhar quem dá esmola a não ser fanfarrão. A sugerir uma discrição hiperbólica, tão discreta que uma parte do corpo nem se aperceberia do que estava a acontecer mesmo ao lado. (Como sucede a quem toma LSD e garante que a perna se separou do corpo e foi jantar fora.) Mas não. Embora Cristo tivesse uma invulgar capacidade para a parábola, dessa feita estava a ser literal. Avisou que a esquerda é contra a caridade.
    (Outra altura em que Jesus também foi denotativo: quando ficou enjoado depois de comer porco com molho de ostras num restaurante chinês, advertiu que não se dessem pérolas a porcos.)
    Só que vem aí o Natal e as pessoas, mesmo as de esquerda, tendem a resvalar para comportamentos solidários (e a apanhar gripe). Embora sabendo que a caridade é feia, é difícil refrear os impulsos altruístas que surgem nesta época. É cleptomania invertida.Para ajudar (cá está, não consigo evitar) sugiro a forma correcta de enquadrar esses desejos filantrópicos. São as respostas adequadas que uma pessoa de esquerda deve dar à abordagem de um pedinte:
    - Tenho fome.
    - Isso é grave! Não devia haver fome.
    - Pois. Há alguma. Faço desde já um mea culpa.
    - Vou ajudar-te.
    - Vai dar-me uma moeda?
    - Claro que não.
    - Olhe que não é para a droga.
    - Se fosse para a droga, eu dava. Para comer, é que não. Seria contribuir para a tua opressão. Anda comigo.
    - A um café, para me oferecer uma sopa?
    - Melhor. A uma manifestação contra a fome, seguida de colóquio sobre a pobreza.
    - Vai haver sandes nessa manifestação? Rissóis no colóquio?
    - Não, vai haver esclarecimentos sobre o combate à fome.
    - Quem combate bem é o pão com mortandela.
    - É mortadela que se diz. E nós combatemos as causas da fome.
    - Desculpe, deve ser da falta de glicose no cérebro. A causa da fome é falta de comida. Se eu papar, ela desaparece.
    - Esse é o caminho mais fácil, resolver o teu problema de curto prazo. Eu almejo solucionar o problema da fome no geral.
    - É possível que solucione, porque se eu morrer deixo de ter fome.
    - Estás alienado pela tua condição, não percebes. Toma um panfleto que explica a fome que estás a sentir.
    - É um panfleto com manteiga?
    - Não.
    - Então vá à merda.
    A impertinência mostra que ele ainda não percebe o que lhe está a acontecer, acha que padece só de uma fome dilacerante. Há que obrigá-lo a reagir. Da próxima vez que encontrar este pobre, ele não lhe vai pedir nada. Vai até olhá-lo com desprezo, sinal de que recuperou a dignidade e recusa sujeitar-se ao conceito burguês de "refeição".
    Se no Natal sentir vontade de alimentar alguém, lembre-se de que dar comida a quem tem fome é ruim. Porque o problema da fome é que, quando se a mata, acaba por voltar. Já o pobre, não.

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